Aí por 1990, a minha mulher foi chamada à escola da nossa filha mais nova, e escutava, atónita, a professora primária.
Meias palavras, frases veladas: — As vítimas tendem a entrar em estado de negação. Mas é pior. Veja lá, se precisar de auxílio posso encaminhá-la...
— Mas está a falar de quê?
— Bom, é sempre melindroso falar nestas coisas, não é? E baixando a voz: — A Sofia contou que o ambiente familiar é mau...
— O quê?
— Vê, é o que dizia, a negação sistemática... Confidenciou-me ela que lá em casa toda a gente se dá mal, reconheceu que há violência...
— À tarde, falamos com ela.
— Mas veja lá como lhe falam, o que lhe vão dizer, não esqueça que as crianças são sempre as maiores vítimas...
À tarde, já em casa, interrogatório: — O que é que foste contar à tua professora?
— Nada!
— Mas ela disse à tua mãe que te tinhas queixado do mau ambiente familiar, que tinhas dito que cá em casa toda a gente se dá mal, que há violência...
E a criança, com naturalidadel: — Ah, sim, falei nisso.
— Mas que violência é tu viste, quem é que se dá mal?
— Ora, tu gritas com as galinhas, chamas-lhes nomes! Até já te vi bater no galo com a colher de pau!
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