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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
Entrega das prendas
domingo, 20 de dezembro de 2009
O presépio
(Clicar nas fotos para ampliar)
Tempo para palrar, tempo para governar
sábado, 19 de dezembro de 2009
Como um cidadão se torna arguido
ADENDA:
A Lisa e eu, às vezes, caçámos alguma coisita. Perdizes, codornizes, galinholas, raramente coelhos, que ela detestava-os.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Não acerto uma!
Aquecimento global
Mau tempo: 10 distritos do Norte e Centro em alerta amarelo devido ao frio, chuva e neve
Veja-se também isto, hoje (negrito meu):
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Romanceiro
— «Albaninha, Albaninha,
A filha do conde Alvar!
Oh! quem te vira Albaninha
Três horas a meu mandar!»
— «Pouco tempo são três horas,
Mas vem depois o contar.»
— «Usança de maus vilões
Nunca a eu soubera usar.
Com esta espada me cortem,
Com outra de mais cortar,
Donzela que em mim se fie
Se eu disso me for gabar.»
Inda bem manhã não era
Já na praça a passear;
Aos três irmãos de Albaninha
Se foi de braço travar:
— «Esta noite, cavaleiros,
Sabereis que fui caçar;
Em minha vida não tive
Noite de tanto folgar.
Era uma lebre tão fina
Que nunca vi tal saltar:
Com três horas de corrida
Não a cheguei a cansar!»
Disseram uns para os outros:
— «Bom modo de se gabar!
Será de nossas mulheres?
Das irmãs nos quer falar?»
Responde agora o mais moço
Discreto no seu pensar:
— «Não vedes que é de Albaninha,
Que o traidor quer difamar?»
Foram os três para um canto,
Puseram-se a aconselhar;
Diziam os dois mais velhos:
— «Vamo-la nós a matar?»
E o mais moço respondia:
— «Vamo-la nós a casar?»
— «Sim! e o dote que ela tem.
Nós o temos de pagar.»
Vão ao quarto de Albaninha,
De voda a foram achar;
Duas aias a vestiam,
Duas a estão a toucar.
— «Albaninha, Albaninha,
A filha do conde Alvar!
As barbas de teu pai conde
Que bem lhas soubeste honrar!»
— «As barbas de meu pai conde
Tratai vós de as honrar,
Pagando-me já meu dote,
Que agora me vou casar.»
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Aguardente
Terceira reimpressão de Entre Cós e Alpedriz
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Tudo na me'ma
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Dũa austera, apagada e vil tristeza"
Os Lusíadas, Camões
Tudo na me'ma
representava?
— E se o Ega fizesse um belo livro, quem é que lho lia?"
domingo, 29 de novembro de 2009
Queratocone
E eu sofro sem dizer nada:
- Sou ave
Bem educada."
Da falta de rigor
sábado, 21 de novembro de 2009
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Último conto meu -- III (1ª parte)
--- Eleutério! Tu por aqui?, gritou-me, vendo-me entrar no restaurante.
Aparência bem cuidada --- desconfio que pintava já o cabelo --- fato completo, gravata a condizer, sapatos reluzentes, sempre bem aprumado, irradiava auto-confiança, como se espera de um mestre de karaté e, sobretudo, de um vendedor de seguros.
--- Qual vendedor, qual quê! --- protestava. Peritagens. E dava-me um cartão. --- Podes precisar.
Meneei duvidosamente a cabeça.
--- Que comes?, perguntava, apontando o menu. --- Olha, vou entregar uma proposta de indemnização à dona de um restaurante em Campolide, assaltada na semana passada. Entre roubo e estragos, mais de quatrocentos contos, exactamente dois mil cento e catorze euros, segundo a declaração da senhora. Sabes quanto é que lhe vou oferecer? Olhava-me interrogativamente, convencido de que eu ansiava por dar palpite.
Acabei por condescender: --- Para aí uns mil euros, mais coisa, menos coisa.
Abanou negativamente a cabeça, sorriso de comiseração para com tanta ingenuidade:
--- Até tenho vergonha: a proposta que lhe vou fazer é de (e retirou-a da pasta, para que eu a visse bem, autenticada pelo logótipo da firma ao alto) e leu, afastando o papel até à extensão máxima dos braços para evitar pôr os óculos ''de velho'': --- Duzentos e quarenta e sete euros!, concluía, lançando-me olhar triunfal.
--- Que ladroagem! Primeiro os gatunos, depois vocês!
--- É para tu veres como são estas coisas. Receio até que a senhora me bata quando lhe entregar a proposta, dizia, enquanto a arrumava cuidadosamente na pasta.
--- Ora, umas palmadas não devem afectar um mestre de karaté...
--- Claro que não. E dadas por moça gira como ela, são festinhas. Mas custa-me passar por estas situações. São humilhantes para nós dois, eu a oferecer uma esmola, ela roubada, como tu dizes, duas vezes, e a ter de aceitar uma miséria ridícula para não ficar sem nada.
Comíamos e conversávamos, passando dos escândalos financeiros à corrupção dos políticos, ambos convencidos de que vivemos num mundo canalha, cada qual querendo rasteirar o próximo, os poderosos sempre impunes, nós condenados ao cumprimento da lei e ao pagamento das multas, sem amnistias nem perdões fiscais... Eu sei: é uma maneira mesquinha de ver a vida, chamando a nós os meritozinhos e culpando os outros das nossas desgraças. Mas é muito reconfortante. No tempo de Homero, a fazer fé nas suas epopeias, a culpa era sempre dos deuses, que chegavam ao ponto de se metamorfosear em humanos para cometerem crimes que depois desgraçassem os inocentes. Hoje, sem deuses, temos de imputar responsabilidades aos mais poderosos, senão como explicar o seu sucesso e o nosso fracasso, se somos tão dotados como eles, igualmente esforçados --- mais, até, que singramos na vida sem esquemas, compadrios, corrupção?
Se há pandemia de gripe é porque as multinacionais a fabricaram, conforme o vídeo de um cientista ressabiado que circula na Internet, se há guerras é porque os americanos têm armas para vender, se o desemprego aumenta é porque os patrões despedem, na sua ganância desmedida, aproveitando a crise para aumentar os lucros, indiferentes ao sofrimento daqueles que mandam para o desemprego...
--- Mas falemos de coisas melhores, propunha o Jorge, tendo já sovado devidamente governantes e governados: --- A minha pequena vai cantar na televisão.
Surpreendo-me: --- Mas ainda é uma criança, não é?
--- Há quanto tempo a não vês?
--- Aí há uma meia dúzia de anos... Suponho que tenha agora treze ou catorze...
--- Dezasseis. Uma mulher feita, com tudo no sítio e bem a preceito. Um borracho de fazer virar a cabeça na rua. A mãe e eu não lhe podemos afrouxar a rédea, ou nem imaginas!
--- Sai ao pai?
--- Pior, bem pior. Com a idade dela eu portava-me bem.
--- Pois, não tinhas outro remédio...
O Jorge, inchado de orgulho, expunha os planos de carreira artística da moça, os quais não passavam pelo Conservatório, nem pela escola, nem por qualquer forma de prosseguimento de estudos. Era o sucesso imediato que pai e filha queriam, cientes de que havia que tirar todo o partido da frescura efémera da juventude, estar um passo, pequenino que seja, à frente da concorrência, interessar produtores e compositores, para depois, navegando já nas águas tranquilas do sucesso, curar então de completar a formação escolar precocemente interrompida: --- Sabes, agora há as Novas Oportunidades, também pode, em qualquer altura, tirar um curso numa universidade privada, basta ter 23 anos para entrar, pagar as propinas para passar, ainda mais sendo vedeta a prestigiar a instituição..."
Último conto meu -- II
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Último conto meu - I
Inédito meu. Imagem retirada, com a devida vénia, daqui.
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Entre cuidado e cuidado*
Mas o mofo sobrepunha-se já aos cheiros a bebé, a pão, a comida cozinhada, ao próprio odor da Berta, tão peculiar, que o João sempre conseguira distinguir entre todos os outros; então, tristonho, cabisbaixo, deprimido, deixava-se ficar, sem cozinhar, sem comer, com vergonha de recorrer à casa paterna, pai e mãe desgostosos com a situação do filho, acabrunhados com a murmuração do povo, incapazes de conter remoques, ralhos e conselhos:
--- Bem te avisámos!
--- O que é que esperavas, casando à pressa com uma sopeira que mal conhecias?
--- Devias mas era ter-lhe chegado a roupa ao pêlo! Se lhe tivesses derribado uma asa, não poderia fugir assim, ainda por cima levando a tua filha!
No domingo, regressava cedo ao quartel, para nova semana de tortura, entre a esperança de que a Berta regressasse entretanto e o receio de que tal não acontecesse; entrementes, por todos os meios ao seu alcance, procurava-a incessantemente, sofridamente, e muitos daqueles a quem se dirigia apiedavam-se da sua dor, rara em homem daquela época, mais propenso a violências e a maus tratos do que a desgostos amorosos.
Ganhou coragem e voltou à Pensão Estrela, ciente da fúria e dos ralhos com que dona Noémia o receberia. Chorou-lhe depois no regaço, comovendo-a e dispondo-a a ajudá-lo; mas pouco lhe soube adiantar, salvo que a Berta por lá passara com a filha num braço, a sacola da roupa no outro. Emprestara-lhe dinheiro e ela seguira o seu caminho nessa mesma tarde, surda a rogos e a conselhos, recusando-se mesmo a pernoitar na pensão, receando talvez que a sua decisão enfraquecesse ou o João a perseguisse.
--- Procura a professora, aconselhou. --- E, se encontrares a tua mulher, tem juízo: não é com vinagre que se apanham moscas, toda a gente o sabe, ou deveria saber.
A professora recebeu-o friamente e só à vista de lágrimas sinceras se prontificou a contar-lhe o pouco que sabia: a Berta procurara-a, pedira-lhe, também a ela, dinheiro emprestado para recomeçar a vida bem longe do marido, que não queria voltar a ver, embora, admitia, muito gostasse dele. Era até possível que tivesse fugido para o estrangeiro, com um qualquer grupo que desse o salto. E mais não sabia...
Rogou por informações sobre possíveis paradeiros, direcções seguidas, mesmo que fossem meros palpites, contanto que permitissem saber se a deveria procurar a Norte ou a Sul, em cidade ou aldeia, em Portugal ou no estrangeiro. Mas também a professora não sabia...
--- E eu não posso desenfiar-me da tropa durante a semana, seria dado como desertor!
Apieda-se a professora, como dona Noémia se tinha já apiedado, mas só pode dar-lhe esperanças insinceras: que a aguarde, talvez acabe por regressar, diz, depois pensa melhor e acha preferível desenganar o João: a Berta tinha ouvidos fechados a conselhos, estava decidida a abandonar marido, país até...
--- Então acha que foi para o estrangeiro?
--- É provável. Ou talvez ainda esteja em Lisboa ou no Porto à espera de o conseguir fazer. Disse que queria ir para tão longe que nunca mais a encontrasses. Bem lhe falei na vossa filha, na vida familiar que estavam a começar, no amor que parecia existir entre vocês --- tudo isso acabou, respondeu-me. Que duvidavas da paternidade, logo nunca aceitarias a criança como tua filha; que --- e olhava reprovadoramente o João nos olhos --- lhe tinhas batido...
O João reconhecia toda a verdade nas acusações, baixava os olhos, cabisbaixo e envergonhado, nem perdia tempo a tentar justificar-se, alegando que, mais uma vez, fora a Berta a agredi-lo e daquela vez, saco cheio, não se contivera e respondera; infelizmente a cólera cegara-o e não se ficara apenas pela bofetada de troco, acrescentando mais duas ou três por conta das dívidas anteriores... Agora queria reencontrar a Berta, ou, pelo menos, saber se estava bem, se precisava de alguma coisa, ajudá-la como pudesse, se ela aceitasse, e aguardar o perdão, mesmo que demorasse.
Mas de nenhuma parte chegavam notícias. O João procurou nas grandes cidades, nas pequenas, nas vilas e aldeias deste país, por lugarejos e casais. Telefonou para todas as terras onde tinha conhecidos, muitos deles da tropa, perguntando se por lá tinham visto mulher e criança com tais e tais características. Pediu os endereços e escreveu a emigrantes, em França, na Suíça, na Holanda, na Suécia, no Canadá, no Brasil, nos Estados Unidos. Em vão. Ninguém tinha visto a Berta, nenhum indício dela. Logo que teve uma pequena licença, passou dias e dias em embaixadas e consulados, dormindo no meu quarto de estudante, arrastando-me consigo na demanda, para o ajudar com os meus fracos conhecimentos de francês e de inglês. Nada. A Berta desaparecera deste mundo, como ameaçara fazer.
Dia após dia, noite após noite, pensou em partir também ele, sem rumo, sem destino, numa busca incessante, qual Avalor procurando em barca à deriva a sua Arima --- mas o Mundo é tão grande e o homem bicho da terra tão pequeno --- e uma réstia daquela razão que nos despoja da grandeza dos homens de antanho impediu-o de se perder por esses caminhos fora, numa peregrinação incomparavelmente mais louca que a volta a Portugal em que a conhecera..."
domingo, 15 de novembro de 2009
Cata-vento
A mim, que raramente termino aquilo que começo, volúvel como o vento, de tal forma que já troco barlavento com sotavento, consola-me este amigo de outros tempos, testemunha muda de homens e de ventosidades, que tanto sabe e tudo cala, apenas preocupado em proteger a cauda do desconforto, o olhar impassível fitando o infinito. Que ele me valha nesta narração, orientando-me para os protagonistas certos, inspirando-me a seguir a direito, sem desvios nem divagações, e, sobretudo, sem verborreia que se pegue ao texto como excremento de galinha às botas do criador."
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Final de Do Lacrau e da Sua Picada
As pessoas aproximaram-se, mas não demasiado, e observavam, curiosas e horrorizadas, os homens tecendo comentários sobre o que sucede à pessoa que tem a desdita de ser picada pelo ferrão de semelhante bicho, as mulheres apertando os filhos pequenos ao peito ou, se mais crescidos, agarrando-os firmemente pela mão para que a curiosidade juvenil os não fizesse aproximar demasiado, advertindo-os firmemente sobre os perigos deste inimigo da humanidade, eles e elas recordando o velho aforismo: Se o lacrau voasse e a víbora visse, não havia ninguém que no mundo existisse.
Quando a multidão se adensou, o curandeiro falou. Segurou um lacrau à altura dos olhos, para que todos o vissem bem, das tenazes que se agitavam convulsivamente ansiando por presa até ao ferrão que procurava em vão vítima, e disse:
— Este bicho é mau e nojento, mas bem pior é o que alguns de vocês têm dentro do próprio corpo, talvez sem ainda o saberem.
O silêncio arrepiou a multidão, espraiou-se como água agitada por pedrada até às últimas filas e retrocedeu outra vez até ao centro. Então o curandeiro falou de novo:
— Uma picada mata, uma picada cura. A picada do lacrau mata a pessoa... ou o escorpião que a devora. É preciso saber escolher. Lacrau macho para cancro fêmea, lacrau fêmea para cancro macho. Quem quer experimentar?
(Tantos anos se passaram já! Contudo, fecho os olhos e continuo a ver, fascinado, os escorpiões passeando pelas mãos calejadas do curandeiro, ressequidas e tostadas por uma vida de trabalho de sol a sol, o olhar honesto de quem recusa usar o seu dom para fugir à enxada, com o brilho de quem está disposto a sofrer e a morrer pela sua verdade, mesmo que ela resida no ferrão peçonhento de um lacrau, macho ou fêmea, tanto faz. Ah, como o compreendo, eu que também tive uma verdade, venenosa como aqueles escorpiões, e a perdi algures no tempo, juntamente com a minha mocidade!)
A Ritinha, Lúcia de seu nome artístico, que parecia mais atenta aos transeuntes do que às memórias do António, trouxe-o de volta ao tempo presente, dizendo a despropósito:
— A Nela, a minha cunhada que se enforcou, já te falei dela, sim, a que deixou como últimas palavras ''A vida é uma merda'', não tinha razão. Acho que a vida pode ser, mas não precisa de ser uma merda. Como dizia o teu curandeiro, uma picada mata, uma picada cura. Depende da escolha.
Sorriu-lhe: — O difícil é escolher os lacraus."
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Finais de romances
domingo, 1 de novembro de 2009
Treino de avançados
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Sensei Vilaça Pinto no Entroncamento
Abuso de confiança
Desculpei-me: -- Ainda não vi o dito cujo...
Prontamente, um colega que sabia viver e foi longe na vida mo pôs debaixo dos olhos. Folheei, dei com um soneto, li-o em diagonal, e escandalizei orientadoras e orientados: -- Mas isto é mesmo bom!
Não caiu o Carmo e Trindade porque estavam distantes, em Lisboa. Digamos, apenas, que superior e sabiamente sovado pelas autoridades educativas de então, dei continuidade a uma carreira de desastres e de inconveniências, e alarguei o vasto leque de gente aguardando a primeira oportunidade de me escalpelizar... E foi já fora da reunião e longe de ouvidos zelosos que o meu colega de então me confidenciou: -- Como é que o poema não havia de ser bom? Se é de Bocage!
Pois eu não o conhecia, não estava assinado... Há dias, a mesma coisa. No meio de poemas medíocres, um destoava. Era muito bom... Até que leio o nome do autor: Vasco Graça Moura.
Vem isto a propósito da poesia da Ivone. Já, por várias vezes, lhe disse que tem poemas muito bons. Encolhe os ombros e diz que se trata de amiguismo. Que alguém me aponte um único elogio, a poemas ou a narrativas, em que haja amiguismo. Quantas vezes me não contorci como enguia na frigideira para evitar comentários negativos, não tendo positivos para fazer. Quantas vezes me não calei. Mas elogiar merda, nunca. Quem duvidar, que percorra o histórico deste blogue, que vá ao meu site, e me contradiga. Publicarei todos os desmentidos fundamentados.
Posto isto, repito: tem poemas muito bons. Veja-se este, acabadinho de roubar do seu blogue - que a Ivone desculpe o abuso de confiança:
O PRIMEIRO OUTONO
Foi numa noite assimque Ceres se esqueceu da Terra.
Por debaixo das raízes e dos rios,
Proserpina deitou-se no leito de sombras.
Ainda seda, ainda memória, ainda luz,
viu os bagos de romã
caídos em redor de Plutão
que lhe estendia
numa mão o esquecimento,
noutra a eternidade.
Ivone Costa
domingo, 25 de outubro de 2009
sábado, 24 de outubro de 2009
A idade do deslumbramento
"Vem, Noite antiquíssima e idêntica,
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio, Noite
Com as estrelas lentejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito.
Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faze da montanha um bloco só do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.
Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores,
E deixa só uma luz e outra luz e mais outra,
Na distância imprecisa e vagamente perturbadora,
Na distância subitamente impossível de percorrer.
Nossa Senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vêm ter conosco ao crepúsculo, à janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas
Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto,
E que doem por sabermos que nunca os realizaremos...
Vem, e embala-nos,
Vem e afaga-nos.
Beija-nos silenciosamente na fronte,
Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijam
Senão por uma diferença na alma.
E um vago soluço partindo melodiosamente
Do antiquíssimo de nós
Onde têm raiz todas essas árvores de maravilha
Cujos frutos são os sonhos que afagamos e amamos
Porque os sabemos fora de relação com o que há na vida. (...)"
Álvaro de Campos
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Auto-retrato
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Da Bíblia
Eis um excerto do meu inédito Um amor inventado, em que inseri o sempre recorrente Lamento de Job, que comecei a apreciar graças a Camões (O dia em que eu nasci moura e pereça...) e à minha professora de Literatura Portuguesa II, Professora Doutora Lucília Pires, com quem tanto aprendi.
Capítulo 13. Entre cuidado e cuidado
(Para ler o capítulo na íntegra, clicar aqui)
Deixemos a coscuvilhice, concentremo-nos na prédica, não quero culpas assacadas pelo João se não receber a almejada inspiração... Aliás, parece até de propósito, as palavras do pároco poderiam sair da sua própria boca, que tanto tem sofrido --- saudades, humilhação pública, mofa, ditos e perguntas parvas:
“Até quando afligireis a minha alma e me atormentareis com vãos discursos? Já por dez vezes me humilhastes e não vos envergonhais de me insultar. Mesmo que verdadeiramente tivesse errado, o meu erro só a mim diz respeito. Mas vós levantais-vos contra mim, e me repreendeis por causa das humilhações que padeço (…) Grito contra a violência e ninguém me responde, levanto a minha voz e não há quem me faça justiça."
Então dá-se o escândalo, ainda hoje recordado: o João ergueu-se e bradou:
--- Ouviram bem o senhor prior? Se errei, o meu erro só a mim diz respeito!
Levantou-se burburinho, que prontamente cresceu e se tornou clamor: como ousava esse corno manso tomar a palavra durante a homilia, levantar a voz na casa do Senhor? E beatos e beatas, indignados com a falta de decoro, multiplicavam, não pães e peixes como Jesus fizera, mas insultos nada católicos, avançavam ameaçadores para nós, ignorando o sacerdote que os tentava apaziguar, enquanto eu arrastava para a rua o João, sempre gritando que também a ele não havia quem fizesse justiça. E chamava-lhes beatos falsos, vendo sacrilégio num sentido desabafo em local santificado, mas não dando ouvidos às palavras sagradas que acabaram de sair da boca do sr. Prior e que lhe permaneciam gravadas na memória:
“Mas vós levantais-vos contra mim, e me repreendeis por causa das humilhações que padeço!”
Da taberna em frente, do adro da igreja, até do café, um pouco mais distante, acorre o povo, atraído pela algazarra e pelos insultos vindos da portaria do templo. Puxo pelo braço do meu Job, com dificuldade consigo afastá-lo, que insiste em atirar à cara dos curiosos esse lamento de outro desgraçado como ele, destruído milhares de anos atrás sob o olhar atento do Senhor:
--- O meu erro só a mim diz respeito!
Semana após semana, ao chegar vindo do quartel, esperara encontrar a casa aberta, arejada, habitada, a Berta nos seus afazeres domésticos, a filha dormindo tranquilamente. Então bateria à porta, humildemente pediria para entrar e conversar, talvez se reconciliassem e acabassem na cama, amando-se outra vez, ou, se mulher continuasse zangada, sem sequer lhe falar, limitar-se-ia a ficar, contemplá-la, servi-la naquilo que deixasse, aguardando que lhe perdoasse.
Mas o mofo sobrepunha-se já aos cheiros a bebé, a pão, a comida cozinhada, ao próprio odor da Berta, tão peculiar, que o João sempre conseguira distinguir entre todos os outros; então, tristonho, cabisbaixo, deprimido, deixava-se ficar, sem cozinhar, sem comer, com vergonha de recorrer à casa paterna, pai e mãe desgostosos com a situação do filho, acabrunhados com a murmuração do povo, incapazes de conter remoques, ralhos e conselhos:
--- Bem te avisámos!
--- O que é que esperavas, casando à pressa com uma sopeira que mal conhecias?
--- Devias mas era ter-lhe chegado a roupa ao pêlo! Se lhe tivesses derribado uma asa, não poderia fugir assim, ainda por cima levando a tua filha! Ler mais
domingo, 18 de outubro de 2009
Outono
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Da amizade
"Olá Jose,
Os teus amigos seguintes têm aniversários esta semana. Clica em qualquer das ligações ou miniaturas abaixo para visitar os seus perfis e deixar um comentário ou mandar-lhes uma mensagem: ..."
São imediatamente apagadas, sem sequer as ler. Esta sobreviveu apenas o tempo suficiente para copiar o fragmento acima colado. É que o meu conceito de amizade é outro, muito mais próximo do de Herbert Pagani (Para ouvir, clicar aqui -- contributo do Reinaldo)
"(...) Au clair de l'amitié
Le ciel est plus beau
Viens boire à l'amitié
Mon ami Pierrot
L'amitié c'est un autre langage
Un regard et tu as tout compris
Et c'est comme S.O.S. dépannage
Tu peux téléphoner jour et nuit
L'amitié c'est le faux témoignage
Qui te sauve dans un tribunal
C'est le gars qui te tourne les pages
Quand t'es seul dans un lit d'hôpital
C'est la banque de toutes les tendresses
C'est une arme pour tous les combats
Ça réchauffe et ça donne du courage
Et ça n'a qu'un slogan : "on partage"
Au clair de l'amitié
Le ciel est plus beau
Viens boire à l'amitié
Mon ami Pierrot"
E ao luar desta amizade -- é uma outra linguagem (um olhar e tu compreendeste tudo), é como o pronto-socorro (podes telefonar dia e noite), é o falso testemunho que te salva num tribunal, é o tipo que te vira as páginas quando estás só numa cama de hospital -- eu bebo e (re)bebo, como canta o Brel.