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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Geração à rasca: discordâncias

Relativamente a algumas das ideias deste post e a outras correlativas que por aí circulam. 
1. Desagrada-me a conversa de que a geração "à rasca" se encontre em tal situação, não por a casa-de-banho dos pais estar ocupada com tantos moradores lá no apartamento, quando  alguns há muito deveriam ter batido a asa, mas por causa dos privilégios da geração anterior -- a minha. Que diabo, vivi o salazarismo (se querem saber como era, leiam Entre Cós e Alpedriz, que podem descarregar gratuitamente aqui), a crise energética associada ao marcelismo, a agitação e a instabilidade do 25 de Abril ao 25 de Novembro, sempre com a espada de Dâmocles da guerra colonial suspensa sobre a minha cabeça, passei privações que hoje levariam a pedidos de ajuda às organizações humanitárias, fiz a trabalhar e paguei do meu bolso a minha licenciatura, sofri o FMI, fiz um mestrado a sério (dissertação disponível aqui), a trabalhar e às minhas expensas, progredi na carreira passo a passo, vejo a reforma possível cortada cerce, em risco até, pois o dinheiro dos meus descontos é gasto em subsídios a quem nunca, ou pouco, trabalhou -- e somos nós, eu e os outros como eu, que pagámos os estudos dos nossos filhos, que os apoiámos quando necessário, como apoiamos hoje os nossos pais, os culpados? Que diabo, tenho 37 anos de descontos, fui servente de pedreiro, operário de plásticos, tropa à força, professor sem habilitação, com habilitação, estagiário, efectivo, agora já nem sei o quê... Ricardo Vicente, tenha dó!
2. Não é verdade que a geração "à rasca" seja, como se repete na televisão, a mais qualificada de sempre. Nem sequer a mais habilitada, o que é coisa muito diferente. Têm diplomas em barda graças a Bolonha, reconheço. O que não reconheço é valor a licenciaturas de de 2 ou 3 anos, mestrados de um, sem tese. Muitos, da faculdade conhecerão pouco mais do que as praxes e as semanas académicas. Muitos nem escrever sabem (coitados, são disléxicos). Muitos fizeram cursos da treta, sabendo que para nada serviriam.
3. Há anos, dizia então o bastonário da ordem dos advogados que a ordem recebia 700 novos pedidos de inscrição por mês, o que era incomportável num país com a dimensão do nosso. Acrescentem-se os licenciados em comunicação social, em letras, em cursos que não lembrariam ao diabo -- e venha alguém cantar que precisa de estudar para ser escrava, ou parva, como se auto-caracteriza.
4. Ontem, na SIC, o presidente do Técnico (creio que é esse o título) apontava uma taxa de empregabilidade de, salvo erro de memória, 98% nos primeiros 6 meses após conclusão da licenciatura. Se mais engenheiros formasse, mais empregaria. E punha a par exigência na formação com empregabilidade.
5. Há muitos anos que insisto com os meus alunos: precisam de se aplicar  a Português (a minha disciplina), Matemática, Física, Inglês. Resposta: não gostam, como se estudo tivesse de ser, pelo menos no seu início, fonte de prazer. E optam por Sociologia, Geografia, Espanhol, etc., disciplinas de interesse, sem dúvida, mas que lhes não permitem a entrada no Técnico, nem em nenhum outro curso de empregabilidade elevada. Com  pessimismo ancestral, respondem-me que todos os cursos servem para o desemprego. Vivam os Deolinda, música a condizer com a letra. Uma merda. O rei vai nu e é preciso dizê-lo.

2 comentários:

Sofia disse...

Acho que o problema está mesmo nos cursos duvidosos. Há muitos doutores e engenheiros, mesmo do tempo em que não havia Bolonha, mas licenciados em cursos que se calhar nunca tiveram saídas profissionais. E como ficam desempregados, esses licenciados continuam a fazer cursos, pós-graduações, mestrados de Bolonha, até que chegam aos 30 anos e 0 de experiência. Mas como já estão habituados a um certo nível de vida, trabalhar só se for num emprego respeitável e com um ordenado que entendam razoável. E convenhamos, trabalhar é uma chatice.

JCC disse...

Tens toda a razão, excepto nisto: as Novas Oportunidades já chegaram, e há anos, ao ensino superior. Nem imaginas como Escolas Superiores de Educação, Politécnicos, privadas e muitas faculdades públicas se tornaram em aviários de doutores e de engenheiros. Em cada uma delas, autênticas fornadas de maiores de 23 anos, entram para cursos não raro duvidosos, licenciam-se em condições deveras duvidosas, dando emprego a professores, antes ameaçados pelo desemprego e, com o direito que lhes assiste ao sucesso, naturalmente prosseguem os "estudos" pelo 2º e 3º ciclos. E depois queixam-se de que há demasiados licenciados desempregados, sem ter em conta que muitos deles já estavam (talvez até sempre tenham estado) desempregados. O rei vai nu, é preciso dizê-lo, porque poucos acreditam. E, sim, para o português típico, o trabalho é uma chatice, ou antes um castigo de Deus.