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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A arte da Poupança

Após esbanjamento sem limites por parte do Estado, das empresas, dos privados, a palavra de ordem actual parece ser poupar. Não é que o verbo poupar seja conjugado: talvez para o não erodirem, ouço-o quase sempre no infinitivo. Dito de outra forma, não é tanto o eu poupo, tu poupas, ele poupa... que se ouve por aí; é mais como poupar, sob a forma de livros, receitas, programas de televisão, tudo isto a fazer-me crer que poupar é bom --- para os outros.
Como os media me não poupam os ouvidos, eu, que nunca fui propriamente esbanjador (embora aprecie uma extravagância de vez em quando), eu, que não sou discípulo nem parente do Tio Patinhas, dei por mim --- puro espírito de contradição, atitude infantil --- a não poupar nas palavras contra esta moda de poupar.
Eis o meu ponto de vista: você poupa, não come fora e o restaurante onde almoçava fecha e os empregados vão para o desemprego receber subsídios que V/ paga; para além do mais, se não é daqueles que cozinham, a sua mulher vai cansar-se de lhe preparar o farnel noite após noite --- e V/ acaba sozinho. Já pensou no que isso lhe vai custar? Onde encontrará outra como ela? E os custos da lide doméstica? E os gastos com as meninas do alterne? Concedo: poupará na Sport TV, no ginásio, que o ménage exigirá o seu tempo livre e toda energia de que dispuser.
Pois poupe. Poupe muito na electricidade, que a EDP, vendo os lucros a diminuir, o Estado vendo as receitas dos impostos a cair, depressa compensarão as quebras com novos aumentos. Poupe em tudo. Quanto mais poupar, mais o desemprego aumentará, mais pobre o país ficará. Ah, V/ terá uns euros aferroalhados num banco a taxas de juro inferiores às da inflação --- que dificilmente reaverá se o banco for à falência. Ou se formos expulsos da UE, como acontecerá se a economia não crescer --- e como crescerá ela, se nós, ex-esbanjadores, dermos em poupar? Ou se a UE se desagregar, como tudo indica que sucederá? 
Poupe. Rodeie-se de ouros e bens de luxo; os gatunos apreciarão. Ou os seus herdeiros, se entretanto morrer--- talvez um deles seja a mulher que o deixou para viver com outro menos poupado, a tal de quem ainda se não divorciou para poupar.
Poupe. Poupe no ginásio, poupe na comida. Nada de vícios. Poupe na vida saudável. Poupe no infantário, poupe na escola dos seus filhos. Poupe muito, faça-se alemão e poupe até no sono. Poupe, que o governo, este, o próximo, não importa qual, apreciará. Só se pode tirar a quem tem, não é? E para o consolar na sua vida poupada, divirta-se com a anedota (não reclame se não achar graça porque é de graça) daquele noivo que desabafava enquanto olhava desconsoladamente para aquela coisa que, por hábito de poupança,  recusava gastar-se em diversão nupcial:
--- E andei eu a poupar-me para isto!
E a noiva: --- Bem fiz eu, que me não poupei.

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