Muito se tem falado nos últimos dias, e pelos piores motivos, da violência conjugal: para além das formas mais mitigadas, ameaças e agressões reiteradas mais ou menos brutais, só este ano já foram assassinadas 24 mulheres. A inexistência de onda de indignação generalizada, semelhante à provocada pela violência indonésia em Timor na pré-independência, ou pela pedofilia na Casa Pia, sugere-me um qualquer pudor individual e social, motivado talvez por consciência algo intranquila, que acaba por estender uma cortina de silêncio sobre esta forma de violência cobarde, exercida contra os mais fracos.
Tema recorrente na minha escrita, o feedback tem sido escasso. Aparentemente, muitos leitores e leitoras preferem, como sugerem as sugestões de leitura em blogues ou os conteúdos do facebook, os arroubos de imaginação ornamentada de retórica, os dichotes engraçadotes, os lugares comuns e os ditos sentenciosos a evidenciar sabedoria de algibeira. Lamento que assim seja. Mas nem por isso deixarei de escrever sobre aquilo que me angustia: vida e morte, amor, sexo e, sempre - falo da escrita ficcional - sobre os reais males da sociedade portuguesa, perenes, transversais, espoletadores dos faits divers da política e da sociedade que emergem no dia-a-dia: violência doméstica, desemprego, corrupção, ignorância, novo-riquíssimo cavaquista, a especulação bolsista correlata...
A proeminência que tenho dado à violência conjugal radica na minha convicção de que não é mera consequência do atraso nacional, antes sua determinante: a forma como as mulheres e os mais fracos são tratados é barómetro indiciador da riqueza, da cultura, da prosperidade de um país, de uma comunidade, de uma família.
NOTA: o terceiro prémio recebido este ano em Manteigas com um conto, Figuras sem estilo, que versa a violência conjugal, é sinal animador. Pode ser lido aqui.
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