Nota prévia: entendo que os ciganos são cidadãos nacionais como eu próprio, sujeitos aos mesmos deveres e usufrutuários dos mesmos direitos. Mas não tenho a certeza de que eles partilhem esta minha convicção.
Duas da tarde. Na pequena sala de espera do hospital de Alcobaça, à cunha de doentes e de familiares, entra gigante cigano, quarentão, calmeirão, trajado de preto, dobrado pela cintura quase em ângulo recto, mãos nos ombros de mulher, que conduz em rectas e curvas como se fosse carro de mão. Estacionam de lado, junto à recepção. A menina informa: -- Hoje isto está complicado. A demora é de sete horas. O cigano protesta, a mulher ajuda à festa. Ele precisa de uma injecção.
Chega cigana mais jovem, criança ao colo. É sobrinha. Chegam seis jovens, todos a rondar os dois metros. Em breve, chegam outros, todos eles gigantes. Começo por admirar a unidade do clã: um tem dores de costas, logo toda a tribo invade o hospital. Mas deixo de achar tanta graça quando uns vinte minutos depois chamam o dobrado às urgências. Para entrar sozinho. Protesta e conduz a mulher à sua frente, dois dos jovens acompanham-no. De fora, fica a sobrinha com a criança ao colo e o resto da tribo. Saio da sala de espera, atravancada. Pouco depois eles saem também. Jogam animados às cartas. Tudo bem. E o segurança, anão ao pé deles, apesar de alto, aproxima-se e atreve-se: --- Aquele estacionamento está reservado às ambulâncias. Um dos ciganos levanta os olhos, cigarro ao canto da boca, enquanto joga carta: --- Aquilo (e aponta com o olhar para as camionetas da tribo) são ambulâncias.
O segurança ri amareladamente e reentra no hospital. Em breve, sai das urgências o das dores nas costas com os respectivos acompanhantes. A demora de sete horas é para a minha mãe, que, saber-se-á quando a examinarem já bem de noite, só tem um aneurisma da aorta com derrame pleural. Que a não matou por milagre.
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