Sou daqueles que sempre evitaram a proximidade da doença e da morte. Melhor dizendo, era desses. Por força de circunstâncias conhecidas, regularmente relatadas neste blogue, vi-me obrigado a conviver com a doença, a acompanhar o tratamento de doentes, a cruzar-me com a morte, tendo, por exemplo, de sair do elevador no Hospital de Santa Maria para entrar cadáver. Mais frequentemente, como me sucedeu ainda hoje, partilho elevador à cunha com maca e bombeiros que transportam doente urgente, o rosto do enfermo entubado a menos de meio metro do meu... Durante as visitas, ouvem-se frequentemente os alarmes dos aparelhos alertando para situações de urgência, temos de sair e esperar aflitos que a emergência seja resolvida, separados dos nossos familiares por uma única porta envidraçada ou por simples cortina corrida...
Já não desvio o olhar dos tubos enfiados pelo nariz, pela boca, das agulhas espetadas nas mãos e braços, do saco da urina, já não fujo apressadamente ao ouvir pedido de arrastadeira, já consigo encarar a fealdade da velhice doente, a degradação dos enfermos despojados dos vestígios da sua condição humana, dentaduras e brincos, anónimos sob as batas, desocupados dia e noite, à espera de melhores dias em que talvez tenham deixado de acreditar. E penso, valerá a pena, quero eu um dia, espero que distante, agonizar ligado a máquinas, adiar o inadiável, ter um final de vida em sofrimento prolongado, isto se não tiver a sorte de uma morte rápida? Não sei. Até porque, como escreveu Gabriel García Márquez, não se morre quando se quer, morre-se quando se pode.
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